As palavras “carma”, “destino”, “livre-arbítrio”, sempre provocam no ser humano, em geral, algumas dúvidas, questionamentos de natureza existencial, porque ainda que não tenhamos qualquer crença religiosa, mesmo sendo o mais “convicto” materialista, nossas dores morais e físicas, nossa felicidade e desditas, os acidentes de percurso da vida, despertam-nos para as realidades da alma humana.
- Ah, esse é meu destino, meu carma ! – Muitas e muitas vezes temos ouvido afirmativas como essa, de pessoas de diferentes classes sociais, cultura, profissão, religião, orientação sexual, e outros indicadores, conferindo às palavras carma e destino o mesmo significado: errado!
CONCEITOS DE CARMA, DESTINO E LIVRE-ARBÍTRIO
Segundo o “Novo Mini-dicionário Escolar – Língua Portuguesa” de Dormival Ribeiro Rios as palavras carma, destino e livre-arbítrio, possuem a seguinte definição:
CARMA - as primeiras noções da lei de causa e efeito, segundo a qual a cada ação corresponderá, no plano moral ou físico, uma reação, revelando as causas do destino do destino do homem. Peso do destino que uma pessoa carrega (grifo nosso).
Destino - encadeamento de fatos determinados por leis necessárias ou fatais. Fatalidade. Fado. Sorte(grifo nosso).
Livre-arbítrio – opção que o homem tem para decidir e escolher o que lhe convém (grifo nosso).
Primeiramente, na definição da palavra “carma” existe explícito, segundo observamos em nosso grifo, a idéia de carma=peso do destino a ser carregado por uma pessoa, ou seja, todo carma é um peso.
Quanto ao “destino”, a noção clara de que os acontecimentos em nossas vidas estão predeterminados, e de que ficamos ao “sabor da sorte”, é cristalina como água pura.
Diante de conceitos tão fechados, rígidos, como pode valer em nossas vidas de espíritos imortais, ainda que atualmente encarnados, o tão almejado e necessário livre-arbítrio? Afinal, podemos ou não, decidir e escolher o que nos convém?
Nossa reflexão é no sentido de harmonizarmos os conceitos de carma, destino e livre-arbítrio, retirando-lhes os conteúdos deterministas, para uma visão ampla e transcendente, mais adequada com os aspectos educacionais e retificadores da reencarnação.
CARMA, DESTINO E LIVRE-ARBÍTRIO: UMA VISÃO HISTÓRICO-RELIGIOSA
UPANISHADS
Os Upanishads surgiram na Índia, em torno de 1000 a.C., escritos sob a forma de conversa entre mestre e discípulo, tendo como conceito-chave que “o homem tem uma alma imortal”. Tratava da reencarnação, e que todo homem possui um Karma , palavra sânscrita que significa “ato”.
Essa doutrina trazia o conceito surpreendente de que “todas as ações de uma vida, formam a base para a próxima”, ou seja, o carma não é recompensa ou punição, apenas uma constante impessoal, uma lei natural.
Os Upanishads estabelecem como causa do sofrimento, através de sucessivas reencarnações, a ignorância da verdadeira natureza da existência. Assim sendo, somente o “reto conhecimento poderá salvar o homem do sofrimento”.
BUDISMO
Fundado por Sidarta Gautama, filho de um rajá, que nasceu no Nordeste da Índia, por volta do ano 560 a.C., o Budismo também estabelece, que o ser humano “é escravizado por uma série de renascimentos”, em virtude de seus pensamentos, palavras e atos. A cada existência o homem colhe aquilo que plantou, logo não existe destino cego nem divina providência.
Buda pregava que uma das causas do carma (sofrimentos) são os desejos – no sentido negativo -, e que apenas suprimindo os desejos, causados pela ignorância, podemos atingir o Nirvana.
A via da salvação budista é também o conhecimento, que nos levará ao Nirvana, descrito por Buda como um estado em que todo o carma já foi esgotado e o espírito liberta-se do Samsara, ou roda das reencarnações.
JUDAISMO
A religião dos judeus, ou Judaísmo, que deriva da palavra Judéia, tem na Bíblia judaica ou Antigo Testamento a sua base. A característica principal do judaísmo é ser uma religião ligada à história, constatando-se tal fato pela leitura das narrativas da Bíblia, baseadas numa crença bem definida de que Deus fez uma aliança, um pacto com seu povo escolhido, o povo hebreu.
O Judaísmo não faz menção no seu Pentateuco – a Lei(Tora) – de que o ser humano seja possuidor de um carma, consequentemente, não existe sequer a crença na reencarnação.
Os Judeus ao longo da história estabeleceram-se em diversos países, e em especial na Espanha medieval dos séculos XII e XIII, quando a cultura judaica conheceu um “período áureo”, florescendo o misticismo judaico, ou a CABALA(ou tradição).
Os sábios cabalistas encontravam-se à frente do seu povo, estudando as relações do homem com o mundo espiritual, incluído-se nesses estudos a mediunidade, a reencarnação, o carma, e os exercícios espirituais que levariam o homem à chamada salvação.
A cabala é a tradição esotérica do judaísmo, não sendo aceita pela maioria dos judeus.
ISLAMISMO
A palavra árabe Islã que significa “submissão”, deu origem ao termo Islamismo, religião fundada por Maomé, em torno do ano 622 d.C., que tem como fundamento a submissão completa do homem à vontade de Alá, ou Deus. Como o Judaísmo é uma religião monoteísta.
No Islamismo existe a indicação de que a vida material é apenas uma preparação, antecedendo à vida que começara depois do julgamento divino. Tal julgamento pode ocorrer no céu ou no inferno, sendo certo que tal crença é fundamental para o muçulmano, afim de que ele assuma a responsabilidade total sobre seus atos.
Não há qualquer menção no Islamismo sobre a questão do carma, entretanto, o muçulmano acredita que de acordo com seu comportamento nesta vida, será recompensado ou punido na vida futura. Tal pensamento esboça, nada mais nada menos, do que a própria noção do carma.
CRISTIANISMO
O cristianismo surgiu a partir dos ensinamentos de um homem, de origem judaica, chamado Jesus de Nazaré. A mensagem deixada por Jesus foi apropriada mais tarde pela Igreja Católica Apostólica Romana, e desviada do seu contexto original, porque Jesus jamais pretendeu fundar qualquer religião, ainda mais com as características do catolicismo.
No cristianismo-católico o homem já nasce com o estigma do pecado original, o que significaria dizer que “o homem vem à Terra com um débito em relação a Deus”. A doutrina cristã não aborda a questão do carma, porque não acredita na reencarnação, apenas remetendo o homem à espera do denominado juízo final, quando Deus virá julgar “os vivos e os mortos”.
O cristianismo considera a crença em Jesus de Nazaré como instrumento de libertação, de salvação, pois “o homem não pode salvar a si mesmo”. Verdadeiro absurdo porque retira do ser humano o poder de decidir sobre a sua vida, sobre a sua evolução, e ainda mais, exclue o resto da humanidade, não-cristã, de ser “salva”.
O catolicismo tem nítidos contornos fatalistas, porque remete o espírito humano a uma eternidade de gozos no céu (homem bom) , ou às amarguras intermináveis do inferno (homem mau). Não há a mínima chance de evolução, quando alguém errou durante sua vida terrena: absurdo!
GREGOS
A civilização grega é o berço da nossa cultura ocidental, oriundo dos conhecimentos extraordinários trazidos pelos espíritos de tantos homens de saber, que reencarnaram no mundo helênico.
Os gregos eram politeístas, ou seja, acreditavam que o universo era “administrado” por muitos deuses e deusas; na Grécia antiga, cada divindade possuía uma função específica, especializada.
Não se cogitava a questão do carma, mas, atribuía-se às divindades denominadas “AS PARCAS” a responsabilidade pela sorte dos homens. Eram três irmãs, filhas da NOITE: CLOTO, LÁQUESIS E ÁTROPOS.
Cada uma tinha uma atividade diferente com relação ao destino do ser humano: CLOTO – cujo nome significa “fiar”, é a que tem nas mãos o fio do destino humano; LÁQUESIS – que significa “sorte”, é a que põe o fio no fuso para tecer a trama do destino humano; ÁTROPOS – traduzindo, “inflexível”, corta implacavelmente o fio que mede a duração da vida de cada mortal.
Como se verifica da visão dos gregos antigos, OS DEUSES COMANDAVAM O DESTINO DO HOMEM.
DESTINO E LIVRE-ARBÍTRIO
Recapitulando as noções de destino e livre-arbítrio, vemos que o destino é considerado uma sina, um fado, enquanto o livre-arbítrio é a possibilidade da escolha, a opção de fazer ou não-fazer.
Os conceitos são aparentemente irreconciliáveis, se analisarmos a questão do ponto de vista materialista, considerando-se a nossa existência como única, e pronto!
Se tivéssemos apenas uma única vida, os acontecimentos felizes e as tragédias poderiam ser considerados como um “fado” ou “sorte”, conforme o caso, retirando-nos na maioria da situações a vontade de escolha (livre-arbítrio), pois o homem nasceria com o seu destino traçado.
O determinismo e a fatalidade são frutos do pensamento filosófico-religioso das doutrinas judaico-cristãs, que retiram do espírito humano a possibilidade de evolução, relegando-nos à servidão da vontade divina.
As religiões orientais foram as mais avançadas na conceituação do homem como espírito imortal, que possuía um carma determinado por suas boas ou más ações. O homem podia comandar o seu destino, através do seu livre-arbítrio.
A VISÃO ESPÍRITA DO CARMA, DO DESTINO E DO LIVRE-ARBÍTRIO
A doutrina codificada por Alan Kardec trouxe uma compreensão profunda sobre a alma humana, abrindo horizontes ao homem, ao considera-lo um ser em franca evolução.
Na pergunta nº 132 do Livro dos Espíritos, Kardec questiona sobre qual seria o objetivo da encarnação? A resposta cristalina é : “- A lei de Deus lhes impõe a encarnação com o objetivo de faze-los chegar à perfeição ...”. Em nenhum momento aparece a palavra sofrimento, fado, dor, ou qualquer outro termo, que signifique “FATALIDADE”.
A palavra “carma” não é mencionada em nenhum momento por Kardec, ou pelos espíritos comunicantes das obras básicas, entretanto, como sinônimo de ação, a cada nova existência o homem progredirá inexoravelmente, até atingir a perfeição, como estipulado no penúltimo parágrafo do RESUMO DOS PRINCIPAIS PONTOS DA DOUTRINA ESPÍRITA: “Mas também nos ensinam que não há faltas imperdoáveis, que não possam ser apagadas pela expiação. Pela reencarnação, nas sucessivas existências, mediante seus esforços e desejos de melhoria no caminho do progresso, o homem avança sempre e alcança a perfeição, que é a sua destinação final”.
A expressão “mediante seus esforços e desejos de melhoria” deixam bem esclarecido, que o livre-arbítrio do ser humano é a sua grande ferramenta evolutiva, inexistindo determinismos e fatalidades.
Ainda com relação ao destino, utilizado como sinônimo de fatalidade, Kardec pergunta aos espíritos, na questão nº 851 do Livro dos Espíritos:” Haverá fatalidade nos acontecimentos da vida, conforme o sentido que se dá a essa palavra, ou seja, todos os acontecimentos são predeterminados? Nesse caso, como fica o livre-arbítrio? – A fatalidade existe apenas na escolha que o Espírito faz ao encarnar e suportar esta ou aquela prova. E da escolha resulta uma espécie de destino, que é a própria conseqüência da posição que ele próprio escolheu e em que se acha. Falo das provas de natureza física,porque, quanto às de natureza moral e às tentações, o Espírito, ao conservar seu livre-arbítrio quanto ao bem e ao mal, é sempre senhor para ceder ou resistir ...”.
Analisando superficialmente a resposta, podemos concluir que o espírito humano escolhe o tipo de vida que irá desfrutar durante sua encarnação – logo, não há destino – e, que o livre-arbítrio é a grande alavanca da evolução, a todos nós que estamos encarnados no planeta.
A liberdade de escolher nosso próprio destino, todos os dias, torna-se o diferencial entre os gênero humano e os animais inferiores, que ainda, não podem discernir entre o bem e o mal, o certo e o errado, o moral e o imoral.
Evoluir é o nosso destino, como evoluir – pelo conhecimento ou através da dor – é sempre uma questão de ESCOLHA.
Victor Sergio de Paula
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